Locomotiva da E.F.S.M

Houve um tempo no Brasil em que o único meio de transporte disponível às pessoas era feito sobre quatro patas. O transporte era lento, problemático, porem, era o que se dispunha naquele período. Estamos falando de meados do século XIX, época em que a nação brasileira ainda era governada pelo príncipe regente D. Pedro II

Foi o empresário Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, o responsável pela construção da primeira ferrovia no país, uma tecnologia vinda do outro lado do Atlântico, mais precisamente da Inglaterra. Assim, em 30 de Abril de 1854, a Locomotiva Baronesa, nome dado em homenagem a esposa do Barão, Dona Maria Joaquina. Um curto trecho de aproximadamente 14 quilômetros, mas que representou uma revolução descomunal na história do transporte brasileiro. 

A partir de então as ferrovias se desenvolveram progressivamente e foi no início no século XX, com a crescente produção cafeeira no país, que elas passaram por um acentuado processo de expansão no interior brasileiro. O país que caminhava lentamente passou a deslizar sobre extensos trilhos, aquecendo a economia nacional e rompendo fronteiras. 

As ferrovias marcaram a vida de muitas pessoas e se tornaram famosas por suas historias como a “Estrada de Ferro São Paulo e Minas”, que ligava a Estação de Bento Quirino, da Cia. Mogiana, nas proximidades de Ribeirão Preto, a São Sebastião do Paraíso. 

Histórico da Ferrovia 


A “São Paulo e Minas” passou por várias crises, até que em novembro de 1971, foi incorporada a Ferrovia Paulista S/A, a FEPASA, em uma iniciativa do governo de São Paulo de unificar a malha ferroviária no Estado, o que veio a culminar com seu fim. 

A ideia de construir uma ferrovia que ligasse S.S. do Paraíso a Bento Quirino surgiu com o desenvolvimento da cultura cafeeira no oeste Paulista, mais precisamente na região de Ribeirão Preto. 

1890 - Originalmente a “São Paulo e Minas” foi construída para atender apenas fazendeiros da região se São Simão à Freguesia de Serra Azul e tinha o nome de “Campainha Melhoramentos de São Simão”. Contudo, uma crise financeira levou a empresa à falência. 

1908 - A empresa passa para o controle estrangeiro e sua razão social muda para “The São Paulo and Minas Railway Company”, adquirindo assim, do Coronel Pimenta de Pádua, o direito de ir até São Sebastião do Paraíso. 

1911 - Quando a Câmara de S. S. do Paraíso aprovou a concessão de transferência para efetivar o projeto da estrada de ferro que ligasse São Paulo a Minas, a estrada já estava chegando a Paraíso, numa extensão de 136 quilômetros, construída a partir de Altinópolis. 

1922 - A “Companhia Eletro Metalúrgica Brasileira”, que se instalara em Ribeirão Preto, adquiriu a ferrovia por 100 mil libras esterlinas, o equivalente a aproximadamente 304 mil reais, com o intuito de intensificar o transporte de matérias primas necessárias a sua indústria, a fim de aproveitar as jazidas de minérios e matas existentes situada no município de Jacuí. 

1929 – A Metalúrgica Brasileira começou a passar por uma serie de crises e, em novembro desse ano foi decretada sua falência. Tudo consequência de um efeito dominó que se iniciou com o crash da bolsa de valores de Nova Iorque, além dos impagáveis empréstimos concedidos pelo governo do Estado, e, finalmente, a greve de funcionários ocorrida em abril daquele mesmo ano. 

Na tentativa de amenizar sua situação, e Empresa fez uma proposta ao governo do Estado de entregar a “São Paulo e Minas” a sua administração, a qual foi categoricamente recusada. 

1930 - Abandonada, em setembro daquele ano, a “Estrada de Ferro São Paulo e Minas” passou a intervenção do Estado. 

1931 - “São Paulo e Minas” teve seu tráfego reaberto e suas linhas reparadas, contudo, por uma questão de jurisdição, não foi possível ser realizadas melhorias no trecho mineiro e, por esta razão, o trafego até São Sebastião do Paraíso se manteve fechado. 

1934 - Por ordem do Juízo Federal de São Paulo, o governo autoriza a reabertura do trecho mineiro, determinando também o alargamento da bitola (medida entre os trilhos) de 0,60m para 1,00m e o reaparelhamento do sistema de transporte. 

Com as melhorias e o alargamento da bitola a “São Paulo e Minas” pode aumentar sua capacidade de transporte e manter um tráfego mutuo com a Mogiana, desempenhando um importante papel para economia dos dois Estados, com o transporte de carga do sudeste mineiro diretamente para as zonas da Alta Mogiana e Alta Paulista. Nos anos que se seguiram a ferrovia passou por diversas modernizações, entre elas a introdução de tração a diesel. 

1967 - “Estrada de Ferro São Paulo e Minas” passa a ser administrada pela Companhia Mogiana de Estrada de Ferro. 

1969 – A Empresa é transforma em sociedade de economia mista, a fim de possibilitar sua incorporação a FEPASA (Ferrovias Paulistas S/A). 

1971 – O abandono da “São Paulo e Minas” se deu em virtude da inviabilidade de se manter uma linha que já não comportava mais as necessidades do Estado. Sendo muito caro ajustá-las as suas necessidades, devido à geografia do trecho mineiro, sendo imprescindível o reforço de pontes - que comportavam apenas locomotivas leves - e amenizar as freqüentes curvas, agregava muitos custos com os quais a FEPASA não podia arcar e naquele ano, a linha permanentemente extinta. 


O fim de uma era e o início de outra


Indubitavelmente as estradas de ferros desempenharam no país um importante papel econômico, do inicio em 1854 até seu auge em meados da década de 1960. 

Foi, entretanto, a partir daquela mesma década que as mesmas começaram a sentir as proximidades de seu declínio, desafiadas pela construção de vastas rodovias e investimentos maciços no mercado automobilístico. 

Com o desaquecimento na construção ferroviária para a abertura de espaço na construção de rodovias e a implantação da indústria automobilística, no governo de Juscelino Kubitschek, no período de 1956 a 31 de janeiro de 1961, as ferrovias foram se acabando com a mesma rapidez que seu progresso. 

A antiga “Estrada de Ferro São Paulo e Minas” deixou poucos herdeiros, como a Estação de São Sebastião do Paraíso, hoje utilizada em nossa cidade como Casa da Cultura onde esporadicamente ocorrem alguns eventos. Os trechos declinados onde ainda é possível ver os trilhos de ferro que, outrora, transportaram sonhos, esperanças e progresso e ainda se mantêm presentes na historia de nossa cidade e a antiga vila de Bento Quirino, que se ergueu graças a construção de sua estação. 


Vida de Ferroviário 


Jerônimo Ferreira da Silva, 66 anos, aposentado e pai de três filhos passou grande parte de sua vida trabalhando como ferroviário nas Ferrovias Paulistas S/A, a FEPASA. Uma longa trajetória de 35 anos, repleta de altos e baixos e que marcou profundamente sua vida. 

De origem humilde, durante toda infância e juventude viveu e trabalhou no meio rural, ate decidir abandonar a vida sofrida do campo e ingressar na FEPASA, onde constituiu carreira e se aposentou. 

O começo não foi fácil. Teve problemas com o seu pagamento e, por consequência do trabalho, foi obrigado a se distanciar da família por um período de cinco anos, no qual morou numa colônia de ferroviários, aqui perto, na baixada do Baú de Santa Cruz, onde passava a antiga linha férrea. 

Quando a situação melhorou, se mudou com a família para lá e tempos depois, atendendo a ordens superiores, ele e sua família migraram para São Simão, onde se estabeleceram por 14 anos. 

O fato é que Jerônimo, assim como todos aqueles que seguiram a carreira de ferroviário, nunca se estabeleceu por muito tempo num mesmo lugar e vivia assim, como um peregrino, ligado apenas à linha do trem e onde quer que ela necessitasse de seus serviços. 

O trabalho era duro, as ferramentas pesadas e, na longa trajetória de sua vida com as ferrovias, fez de tudo um pouco, carpiu os arredores das linhas, levantou juntas (o engate de um trilho a outro), que saiam do lugar com o peso das locomotivas, passou noites frias e chuvosas ao relento, conferindo e mantendo a segurança para que os trens passassem com segurança por seu pedaço. 

Hoje, Jerônimo Ferreira ainda trabalha, mas como servente de pedreiro. “É a natureza, não suporto ficar parado”, ele diz satisfeito. Assim, como tantos outros trabalhadores humildes, o ex-funcionário da FEPASA, aposentado há 12 anos, não nega suas origens e, com muito orgulho, ostenta sua historia. Criou e encaminhou bem seus filhos na vida, e ainda realizou o grande sonho de conquistar sua casa própria, o que, há alguns anos, atrás lhe parecia distante, mas que agora é um fato concreto em sua vida, tudo graças ao suor de seu trabalho e a vida de ferroviário. 

Por João Gustavo e Rafael Cardoso
Colaboração: Instituto ABC

Matéria produzida originalmente para a "Revistas Expressão Livre"
 -  Ano 3, Edição 35, Abril de 2013