Há exatos 125 anos era assinada pela princesa Isabel uma lei que tornavam no país todos os escravos livres. Foi um ato simples e rápido se compararmos com a longa história de escravidão do Brasil, mas isto e todo seu significado, fez do “13 de maio” uma data épica, que merece ser lembrada e que simboliza a luta do negro por seu merecido espaço na sociedade.

O impacto que a escravidão teve para o país, sua cultura nacional e sociedade em geral foram de proporções imensuráveis. O trabalho escravo instituiu valores que se agregaram a nossa nação e que até hoje podem ser observados, tal como o preconceito racial e social, pois após a abolição da escravatura esses negros foram postos à margem da sociedade, sendo sua mão de obra substituída pela mão de obra imigrante. Inicialmente o trabalho escravo indígena era à base trabalhista no continente, mas com a chegada dos padres jesuítas e a intenção da Igreja de trazer às novas terras o cristianismo fez com que a prática fosse abolida logo no começo, impondo a esses indígenas um acentuado processo de aculturação.

Visto como uma alternativa, por séculos o tráfico negreiro instituiu e impulsionou a economia da Coroa Portuguesa, tendo sido o fator determinante para a construção do caráter da nova “civilização” que aqui nascia. Pouco valorizado, o trabalho braçal passou a ser enxergado como algo a ser feito por negros. O escárnio dessa população vinha desde seu tráfico, transportados em porões de navios sob condições subumanas, ate as condições de morada na colônia portuguesa, vivendo em senzalas e sendo criados como animais.

No entanto, os mais de 300 anos de repressão e trabalho forçado não foram enfrentados em silêncio. Houve conflitos diretos, fugas e formações de colônias de negros conhecidas como “quilombos”, onde buscavam encontrar a paz e aceitação para viver. Alem disto, a resistência ao processo de aculturação foi também uma forma de se auto-afirmar enquanto africanos diante daquele povo dominador que podiam lhes tirar tudo, exceto sua cultura. E é justamente essa resistência que estigmatizou a cultura negra em nossa nação. Da língua à culinária, nossas raízes africanas perduram até hoje.

O papel dos escravos na construção da nossa cidade é de valor inquestionável, mas pouco se sabe a respeito do processo de escravidão em São Sebastião do Paraíso. Nesse contexto e para explicar como se deu tal processo histórico em nossa região surge Anajá Caetano, uma escritora paraisense que colocara a importância e o indiscutível papel do negro em nossa comunidade - do período da escravidão à sua abolição, em 1888.

Anajá Caetano, filha de criação de um dos intelectuais mais importantes da história de Paraíso, o Dr. José de Souza Soares, publicou em 1966 o romance histórico “Negra Efigênia - Paixão do Senhor Branco”, onde retrata a formação da cidade de S. S. do Paraíso. Esse romance de costume foi escrito a partir de memórias da era áurea em que, quando menina, Anajá ouvia do pai histórias sobre o período colonial e os incidentes históricos que marcaram a remota origem do Paraíso. Construído com base em uma das obras de José de Souza Soares, “Paraíso e suas histórias”, Anajá dá vida ao romance onde pode reestruturar a ordem cronológica, dando aos personagens nomes reais, como o Padre Thomás d’Affonseca e Silva, que foi o quinto vigário da paróquia. A obra de Anajá Caetano discute conceitos que até então a história fazia questão de estereotipar, desmistificando o negro enquanto um ser ignorante e burro e a negra como promíscua e assanhada. Pelo contrário, Anajá mostra o lado maternal, solidário e belo da mulher negra e toda a importância do papel que desempenhavam na sociedade paraisense daquele tempo. Evidenciando o indispensável lugar que os escravos tinham para o manejo do trabalho nas fazendas ao redor da paróquia de São Sebastião do Paraíso, Anajá ainda mostra o verdadeiro valor da “boa” e velha família tradicional, revelando a crueldade e a indiferença para com os negros naquele período.

A religiosidade é outro fator marcante na obra. Com uma descrição fiel aos cultos africanos, Anajá Caetano narra todas as suas heranças étnicas, sendo negra e descendente de angolanos da tribo dos “Quiocos”. A vivacidade e os detalhes com que narra cada ação, cada dança, cada expressão dos seus antepassados são de uma riqueza tão grandiosa que remete a uma África desconhecida aos olhos do homem branco. Uma África poderosa, com seus deuses onipotentes e zelosos por seus negros.

Um verdadeiro achado da literatura paraisense, “Negra Efigênia é uma viagem a um passado histórico de uma Paraíso pouco conhecida. Alvo de estudos no mundo acadêmico, a obra de Anajá Caetano ganha seu devido valor por ser uma das poucas mulheres negras a produzir uma literatura onde são narradas todas as suas raízes culturais, fato este que não permitiu que sua obra caísse em total esquecimento. Embora de suma importância, “Negra Efigenia” é um livro pouco conhecido e em nossa Biblioteca Municipal “Professor Alencar de Assis” há apenas dois exemplares, em péssimo estado, mas na internet é possível encontrar e adquirir a obra em sites de sebos.

Caso haja interesse é possível tomar o livro emprestado por uma semana na Biblioteca, no entanto, os horários da mesma são pouco flexíveis, abrindo às oito da manhã e fechando atualmente, às três da tarde.

Para quem tem horário pra ler é bom ficar atento.

Paraíso é uma cidade com uma história admirável, portanto devemos valorizar mais nossa cultura e dar o devido valor aos nossos escritores, que como Anajá Caetano, contam de forma bela e poética a nossa própria história.

Matéria produzida originalmente para a "Revistas Expressão Livre"
 -  Ano 3, Edição 36, Maio de 2013