A pouco mais de um mês e meio, a população brasileira saiu às ruas para dar voz a sua insatisfação com as diretrizes governamentais, focada atualmente em tornar a Copa do Mundo e as Olimpíadas um dos melhores eventos que o planeta já viu ao invés de melhorar a saúde pública, o transporte e a educação brasileira. É fato que a situação dos brasileiros vem melhorando muito nos últimos anos, mas ainda está longe de ser o ideal. Uma prova disto é a nossa posição no IDH (índice de desenvolvimento humano), que mede a qualidade de vida da população mundial a longo prazo com base na qualidade de vida, acesso ao conhecimento e a um padrão de vida descente; mantivemos a posição estando em 85º lugar. Embora este índice seja considerado alto é incoerente, afinal, se temos uma das maiores cargas tributária do mundo, evidentemente deveríamos estar entre os países de primeiro mundo, não?

O ponto é que a educação não evolui muito, o analfabetismo, principalmente o funcional, ainda é uma realidade e o acesso ao conhecimento e a cultura, um dos maiores desafios. Desafios estes que vem encontrando mais dificuldades a cada dia e gerando mais revolta, insatisfação e polêmicas. 

A mais recente envolve o PNE (Plano Nacional de Educação), que visa à erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade de ensino, a valorização do profissional da educação, entre outras questões importantes. 

O Plano Nacional da Educação foi criado para vigorar de 2011 a 2020; apresenta dez diretrizes objetivas e 20 metas, seguidas das estratégias específicas de concretização, sendo a meta 4, a que garante o acesso da criança portadora de alguma deficiência, motora ou intelectual, de 4 a 17 anos ao ensino regular. Este é uns pontos mais importantes do PNE e que, no entanto, sofreu algumas mudanças radicais, gerando um mal estar generalizado na sociedade. 

O PNE, até o presente, momento não foi votado, o que deixa brechas para que a mudança da Meta 4 ainda seja revogada.

A mudança propõe que todos os jovens portadores de alguma deficiência estejam matriculados na rede regular de ensino até 2016, sem que haja nenhum mediador, no caso as APAEs, que prestam ensino especializado para preparar esses alunos a rede pública de ensino. O projeto, de José Pimentel (PT-CE), visa cortar os repasses de verbas governamentais às APAES, a fim de valer as novas diretrizes propostas na reformulação da meta 4, culminando com o enfraquecimento das mesmas.

META 4
COMO ERA:
"Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos(às) alunos(as) com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, em escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados."
APÓS A MUDANÇA:
"Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino".

A visão dos paraisenses acerca do polêmico projeto

Ademar Paschoalino, diretor da APAE de São Sebastião do Paraíso
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) nasceu no Rio de Janeiro em 1954, com a meta de prestar assistência a crianças e jovens portadores de deficiência, priorizando aquelas com deficiência intelectual e múltipla. Um projeto pioneiro no país, que até então não dava a devida assistência a portadores de deficiências e que veio se espalhando por todo o território nacional ao longo dos anos. Hoje as APAEs estão distribuídas em mais de 2 mil municípios atendendo cerca de aproximadamente 250.000 pessoas com deficiência. O ultimo censo do IBGE, de 2010, aponta que cerca de 45 milhões de brasileiros são portadores de algum tipo de deficiência (entre visual, auditiva, motora e intelectual), esses números expressivos correspondem a cerca de 14,5% da população total, sendo grande parte desse número dependente do ensino especializado. 

A APAE de São Sebastião do Paraíso vem prestando esses serviços especializados de altíssima qualidade desde 1975 e garantido o direito dos portadores de deficiência motora e intelectual a uma vida mais digna, tanto do ponto de vista pedagógico, quanto técnico. Ademar Paschoalino, diretor da APAE há quase seis anos, destaca o papel filantropo da Associação, que garante a assistência médica e pedagógica e esses alunos que carecem de atenção especial, sem cobrar nada. “Atendemos entre os alunos de dois turnos em torno de 278, e uma média de 48 que vem só para atendimento durante a semana. Existem alunos que já foram incluídos no ensino regular e que acabaram voltando para receber novamente este atendimento”, conta Ademar. 

Assim como todas as pessoas envolvidas com o trabalho sério e os serviços de alta qualidade prestados pelas APAES no Brasil a fora, Paschoalino também é contra a proposta de inclusão; segunda conta isso acaba tendo um efeito contrario. “A proposta é inadmissível. Foi feita por pessoa que não tem acessibilidade de entender o que é o aluno especial, o deficiente físico. Essa proposta faz com que o aluno não seja incluído, seja excluído. Tivemos casos de alunos que pararam de comparecer em qualquer tipo de escola por não ter como se locomover ou até mesmo por não ter um atendimento adequado que deveria ser dado a eles”, conta Paschoalino. 

Marcos Vinicius Aloise, fundador da INTEGRAR, a Associação de Portadores de Necessidades Especiais, destaca que o projeto é um verdadeiro retrocesso em vista do quanto já se ganhou com as APAES nos últimos anos. Vítima de um acidente automobilístico que o deixou tetraplégico, há dezenove anos, Marcos destaca o suporte que nossas escolas não têm para o atendimento a alunos com deficiência. “Como se leva um aluno hoje, que tem uma sonda gástrica, por exemplo, que precisa trocar uma fralda, que tem que ter um cuidado especial a uma escola onde não se tem preparo nenhum a nível técnico?”, questiona. 

A INTEGRAR, fundada há oito anos vem lutando pelos direitos coletivos das pessoas com deficiência, promovendo a inclusão desses cidadãos no convívio social, tanto no âmbito do trabalho como na própria sociedade civil, promovendo a quebra de paradigmas e lutando contra os preconceitos que, infelizmente, ainda são latentes em nossa sociedade. Um trabalho de “formiguinha”, como ele próprio define, que vem sido feito aos poucos e gerando algum resultado, apesar de encontrar inúmeras limitações. No entanto, as diversas rampas que vem sendo construídas em Paraíso não resolvem muito o problema, uma vez que as calçadas, em estado deplorável em sua ampla maioria, atrapalham na locomoção, não apenas dos cadeirantes, mas também de pessoas com alguma dificuldade de locomoção, como idosos, por exemplo.

A presidente da FENAPAEs – Federação Nacinal das APAEs – Aracy Lêdo deixou claro que o Movimento das APAEs é a favor da inclusão, desde que esta seja realizada de forma adequada, respeitando o direito das Famílias de escolherem onde seus filhos estudem e das pessoas com deficiência de escolherem as escolas onde querem estudar. Nossas escolas públicas não estão preparadas e mal conseguem capacitar nossos jovens e prepará-los para o ensino superior e consequentemente para o mercado de trabalho. Dariam conta de prestar a devida atenção aos portadores de deficiência motora e intelectual? A realidade é que a APAE foi uma das melhores instituições criadas para orientar e dar suporte as famílias que vivenciam essa dura realidade, e o corte dessa verba seriam uma espécie de suicídio, uma vez que seus alunos, que em uma ampla maioria não estejam mais na fase escolar estabelecida pela meta ficariam desamparados. Bom seria se esses alunos pudessem freqüentar o ensino regular com a devida atenção que necessitam, mas infelizmente não é assim que funciona, e estamos longe de ter a devida condição e estrutura para isto.

Matéria na integra produzida originalmente para a "Revistas Expressão Livre"
- Ano 3, Edição 40, Setembro de 2013