No dia 21 de setembro se comemora em todo o Brasil o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência, uma data criada para lembrar a toda população sobre a situação dos portadores de deficiência e das lutas e desafios que envolvem crianças, jovens e adultos que convivem, além de algumas limitações no dia-a-dia, com o preconceito, a falta de inclusão e escolas preparadas para isto e também carência de políticas públicas para atender de forma abrangente e eficaz todas as famílias que têm um portador de deficiência em casa.

Falar da luta da pessoa com deficiência é falar também da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, a APAE, uma instituição que nasceu em 1954, no Rio de Janeiro, com o objetivo de promover a atenção integral à pessoa com deficiência, principalmente àquela com deficiência intelectual e múltipla. No entanto, muito além de uma instituição, a Apae é considerada um movimento pioneiro que se destacou pelo caráter de suas ações. Hoje a APAE faz parte da realidade de todos os 27 estados brasileiros.

De acordo com a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), atualmente a movimento apaeano é considerado o maior movimento filantrópico do Brasil e do mundo na sua área de atuação. Um movimento que congrega, além da Fenapaes, cerca de 23 Federações das Apaes nos Estados e mais de duas mil Apaes distribuídas em todo o País, que fornecem atenção integral a cerca de 250 mil pessoas com deficiência.

Em São Sebastião do Paraíso a história não é diferente; a instituição, fundada em 1975, ao longo desses 40 anos vêm trabalhando incansavelmente para atender as diversas famílias que buscam assistência integral junto ao movimento apaeno, são cidades que compreende além de Paraíso, Jacuí, São Tomás de Aquino e o distrito da Guardinha. São cerca de 300 alunos atendidos atualmente pelos vários programas oferecidos pela instituição, incluindo a Escola Estadual Mariana Marques, integrada a instituição, além dos 41 profissionais que atuam diariamente para levar assistência a esses alunos. São fisioterapeutas, psicólogas, fonoaudiólogas, enfermeiras, médicos, nutricionista, pedagoga, professores de oficinas, ajudante de oficinas, educador físico, ajudante geral, zelador, secretárias, além de dentistas, ajudante de consultório e motoristas.

De acordo com a psicóloga Lucilaine de Pádua, que faz o acompanhamento desses alunos, “o dia é importante porque reforça o trabalho da APAE realizado durante o ano todo, que é de ‘luta’ para que todos tenham atendimento de qualidade, sempre visando inclusão e garantia de seus direitos”.

Conforme explica Lucilaine, o trabalho da Apae compreende, não apenas ao atendimento a necessidade específica de cada aluno, mas principalmente o direito a autonomia que cada aluno deve ter. “Muitas vezes, quando a gente pergunta ao aluno o que ele quer, ele não sabe responder porque nunca teve a oportunidade ou liberdade para decidir, sempre havendo a intervenção da família. Em algumas reuniões em grupo, nós trabalhado principalmente esta questão, estimulando ao aluno a se perguntar o que ele quer e aprender a tomar decisões”.

A Apae possuir diversos programas para atendimento não somente aos alunos, como também aos pais, a exemplo do Programa de Apoio a Família (PAF), que além ajudar a familiar a entender o que se passa com aquela criança portadora de alguma deficiência, também busca orientá-los no sentido da família poder oferecer uma qualidade de vida melhor aquele familiar que precisa de uma atenção redobrada. Outros programas, como o Programa Auto Defensor, coordenado pela fonoaudióloga Gizelle Lima Duarte, que tem cerca 70 participantes distribuídos em 6 grupos, busca trabalhar com os alunos tudo o que se diz respeito aos direitos e deveres do portador de alguma deficiência.

“Também é realizado pela APAE o ‘Programa de Inserção no Mercado de Trabalho’, que também é coordenado pela fonoaudióloga Gizelle e que inseriu nos últimos 18 meses cerca de 15 meninos ao mercado de trabalho. Esses alunos são acompanhados mensalmente, com contatos nas empresas e alguns, inclusive, participam dos grupos do programa”, conta a psicóloga.

Lucilaine explica também que nestes grupos os alunos trocam experiências e relatam o dia-a-dia da rotina de trabalho aos outros alunos que também querem ter um emprego. “Essa troca de experiência é importante para que o aluno entenda as responsabilidades que compreende o ‘ter’ um emprego, sendo a flexibilidade também um ponto bastante trabalhado no grupo, a fim de mostra a eles que ao ser contratado para exercer uma atividade, que ele também pode ser orientado a fazer outras coisas naquela empresa”, explica a psicóloga.

“Cabe ressaltar que no processo de habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência todos (família, instituições escolas e comunidade) temos que preparar a pessoa com deficiência para terem autonomia, sendo protagonistas diretos de suas vidas, para que saibam e possam escolher e tomar decisões, todos temos que lutar para que haja garantia de direitos e do exercício de cidadania. As atividades, serviços e programas da APAE seguem o movimento apaeano e buscam preparar não só o nosso usuário, assim como a família, para que tenham oportunidades, para que mostrem suas potencialidades e habilidades, valorizando o que cada um tem de melhor e tenham igualdade de condições”, salienta Lucilaine de Padua.

HISTÓRIA DE MÃE

Marcia Aparecida da Silva é mãe de cinco filhos e os dois mais novos tiveram complicação no parto, o que veio a resultar na deficiência deles, Paulo Roberto, de 17 anos e Paulo Ricardo, de 9. A luta da mãe ilustra de maneira poética as mesmas dificuldades que tantas outras mães de crianças apaianas sofrem no dia-a-dia: o preconceito, rejeição e inúmeras noites sem dormir direito. Esses percalços não impediram que essa mãe parasse de lutar a fim de conseguir o melhor para seus filhos.

Conforme conta a psicóloga Lucilaine de Padua, “o filho mais novo de Marcia, de 9 anos, está no processo de escolarização na Escola Estadual Mariana Marques, em que a mãe lutou para trazer o filho de volta do ensino regular. Ela fez a luta contrária, o filho foi incluído ao ensino regular e ela lutou para que a criança voltasse para a Apae, por acreditar que ele não estava tendo a assistência que deveria para se integrar de fato a escola. No caso do filho mais velho, ele também foi incluído, mas não estava conseguindo aprender, não estava motivado e a mãe nos procurou pedindo ajuda para que ele pudesse fazer algumas atividades conosco. Em seis meses aqui, quando ele estava fazendo as oficinas e a mãe o PAF, ele foi incluído no mercado de trabalho”.

Hoje, Paulo Roberto e Paulo Ricardo são dois jovens muito saudáveis que enfrentam no dia-a-dia os mesmos dramas vividos em qualquer seio familiar. Para a mãe, a luta diária que fez com ela, inclusive, lutasse contra a inclusão do filho no ensino regular por não acreditar e concordar com a forma como a inclusão estava sendo feita, trouxe avanços, tanto para o aprendizado de seus meninos, quando tranquilidade para ela. A mãe relata ainda que, no caso do filho mais novo, foi ainda mais complicado. “Ele estava ficando fora da sala de aula para que não “atrapalhasse” os outros alunos”, relatou.

Marcia conta que na gravidez de Paulo Roberto, hoje com 17 anos, sofreu uma complicação conhecida como eclam-pse, o que fez com a criança nascesse prematura, no sexto mês de gestação. “Ele nasceu aqui em Paraíso e depois foi internado em Ribeirão, onde ficou cerca de um mês. Ele saiu da internação pesando cerca de 1,9 quilos. Nós tivemos toda a assistência e acompanhamento médico. No entanto, ele foi ficando mais velho, já apresentava uma idade mais avançada, mas era uma criança miúda, desnutrida. As pessoas sempre me perguntavam a idade dele, quantos meses ele tinha eu sempre falava, mas aquilo despertava uma certa desconfiança, como se o fato dele ser uma criança que não se desenvolvia fosse minha culpa”, relata a mãe.

Marcia Silva conta que este foi um período muito difícil e de muito medo, pois a família acreditava que talvez a criança não sobrevivesse. “O tempo foi passando e eu o coloquei na creche para poder trabalhar. Através da assistente social dessa creche, eu descobri que talvez ele pudesse ter algum problema, então ela me recomendou que ele fizesse uma avaliação junta a APAE e até eu conversar com o meu marido e ele aceitar tudo aquilo foi um pouco complicado, hoje tudo é diferente, mas naquela época ainda havia muito preconceito, principalmente se tratando da Apae”, relata.

Conforme a mãe, a criança foi encaminha para avaliação na Apae onde se constatou que ele sofria de um certo grau de deficiência intelectual, tendo como agravante um problema na arcada dentária e uma dificuldade de se comunicar. “Isso tudo começou em 1999. Eu tinha que levá-lo toda a semana no médico, no começo foi muito difícil. Qualquer vento que batia no rosto dele ele engasgava, e foram longos seis meses dormindo junto ao meu peito, eu mal dormia, morria de medo dele morrer afogado. Mas apesar disso tudo, eu nunca desisti e sempre tive fé que isso passaria e a gente seguiria normalmente nossas vidas”.

De acordo com Marcia, seu filho durante esse processo sofreu muito preconceito das pessoas, uma fase que relata ter passado. “Para muitas pessoas, a criança especial é aquela com ‘Down’, a deficiência intelectual não é encarada da mesma forma. Hoje, a única dificuldade dele é realmente a leitura, ele escreve, mas não sabe ler. Ele chegou a se queixar comigo que na escola não estava aprendendo a ler e ele queria para poder tirar carteira de motorista”, relata. “Graças a Deus hoje ele é um jovem muito saudável, ele queria muito trabalhar, nós chegamos a andar por toda a cidade para tentar arrumar um emprego para ele, mas não havíamos conseguido. No entanto, graças ao apoio da Apae, ele conseguiu conquistar seu primeiro emprego”.

Marcia Silva conta que no caso no filho mais novo, o Paulo Ricardo, durante o parto a criança se enforcou com o cordão umbilical, faltando oxigênio do cérebro, o que resultou em algumas sequelas. “Ele sofreu uma convulsão e foi socorrido junto a Unidade de Tratamento Intensivo, onde ficou cerca de três dias. Passado esse tempo ele foi para o berçário, foi amamentado, mas descobriu que ele havia tido enterocolite necrosante, ou seja, uma parte do intestino dele havia sofrido uma necrose e precisou ser retirado. Com 5 dias ele passava por uma cirurgia para tentar resolver o problema”, conta a mãe. Marcia relata ainda que seu filho chegou a ficar mais de um mês internado na UTI e que com quinze dias sofreu infecção hospitalar.

“Depois de passado mais de um ano, o Paulo Ricardo teve a primeira crise convulsiva; feito os exames, descobriu-se que ele tinha epilepsia e paralisia parcial. O mais difícil de toda a luta que passei durante este período foi encontrar inúmeras portas fechadas pelo caminho, por simplesmente as pessoas não terem conhecimentos do que é a deficiência. Há muitos julgamentos. Quem não conhece meus meninos e os vê, hoje, esbanjando saúde, não sabem das dificuldades que eles passam”, conta a mãe.

Aos nove anos, Paulo Ricardo está cursando o terceiro ano do ensino fundamental e vive uma vida saudável e produtiva, graças ao apoio da Apae a essa mãe. “Eu não sei o que teria sido da minha vida se não tivesse conhecido essas pessoas e tido todo esse suporte”, completa Marcia Silva.

Matéria publicada para edição 1931 do Jornal do Sudoeste,
São Sebastião do Paraíso